Os mosquitos transmitem diversos vírus para os humanos, esses vírus geram sintomas como cansaço, dores, entre outros que te deixa de cama e levar até morte. Quando um mosquito pica uma pessoa doente, ele se infecta com o vírus e depois de algum tempo, pode transmitir para outras pessoas. Mas já que o mosquito se infecta com vírus, porque não fica doente como nós?
A resposta para essa questão pode estar contida no modo como o organismo do mosquito combate o vírus. Diferente de nós, o sistema imune dos mosquitos não é tão especializado e suas células de defesa não produzem citocinas (mediadores químicos) para combater o vírus. Em nós humanos, as células do sistema imune produzem diversas citocinas, que ao mesmo tempo que combatem o vírus também provocam alguns dos sinais e sintomas que apresentamos.
Apesar de não terem esses mediadores químicos, os vírus não se replicam sem controle nos mosquitos. Os mecanismos antivirais dos mosquitos são compostos basicamente pela imunidade celular, que são mecanismos intracelulares que tentam impedir a instalação do vírus nas células (PRASAD; BRACKNEY; EBEL, 2013). Mas esses mecanismos não são tão eficientes assim, sendo capazes apenas de limitar a replicação do vírus a níveis não danosos para o mosquito. Esse fato já foi provado por diversos estudos em que os pesquisadores geraram mosquitos com deficiência nos mecanismos antivirais e observaram que os vírus se replicaram rapidamente no organismo do mosquito (XI; RAMIREZ; DIMOPOULOS, 2008) (SÁNCHEZ-VARGAS et al., 2009). Uma observação interessante é que a replicação descontrolada do vírus diminui a capacidade de transmissão pelo mosquito, mostrando que esses mecanismos antivirais são importantes para a sobrevivência do mosquito, mas também ajudam na transmissão do vírus para o hospedeiro vertebrado (CIRIMOTICH et al., 2009).
Esses mecanismos antivirais dos mosquitos se baseiam em receptores de membrana celular e RNA de interferência (RNAi).
Os receptores celulares são responsáveis por reconhecer proteínas virais que se ligam a ele. Com isso, promovem a ativação de vias de sinalização dentro da célula, levando a produção de pequenas proteínas que agem contra o vírus (PRASAD; BRACKNEY; EBEL, 2013). No entanto, a ação por esses receptores parece ser específica para cada tipo de vírus e alguns estudos indicam que algumas dessas vias nem sempre agem como mecanismos antivirais (FRAGKOUDIS et al., 2008). Além disso, os conhecimentos sobre os mecanismos antivirais via receptores celulares ainda são limitados, de forma que algumas vias de sinalização antivirais são conhecidas, mas o receptor que a ativa ainda não (CHENG et al., 2016).
Em comparação com dos receptores, os RNAi são mais extensamente estudados e possuem alguns de seus mecanismos de ação mais bem entendidos. Diferentemente dos RNAs codificantes, que transportam o código genético do DNA e são os responsáveis por sintetizar proteínas na célula, os RNAi tem ação inibitória dos RNAs codificantes, ou seja, impedem a síntese de proteínas. No entanto, esse processo é direcionado a RNA codificantes específicos e assim à síntese de proteínas específicas. Nos mosquitos infectados, eles são direcionados para inibir a síntese de proteínas virais e assim conter a disseminação do vírus. O sinal para a produção de RNAi são RNAs de fita dupla no citoplasma da célula, que em geral são observados em casos de infecção viral. Em uma condição normal não se encontra material genético dupla fita no citoplasma (lembrando que o DNA é fita dupla, mas fica no núcleo) de células de eucariotos, no entanto, quando as células do mosquito são infectadas por vírus, esses vírus inserem seu material genético no citoplasma. As células do mosquito reconhecem os RNAs dupla fita virais como sinal de perigo e ativam os RNAi para combater a infecção (OLSON; BLAIR, 2015).
Desta forma, os RNAi são os principais mecanismos de defesa contra infecção viral nos mosquitos, no entanto, se pensarmos que esses mecanismos possuem eficiência total, o resultado óbvio seria a eliminação do vírus e assim fim do ciclo viral. Bom, sabemos que não é bem assim que acontece, e isso se deve a mecanismos virais de evasão dos RNAi’s. Semelhante a resposta do mosquito, a evasão do vírus também é parcial, mantendo assim um equilíbrio entre os mecanismos antivirais do mosquito e a evasão desses mecanismos pelo vírus (BLAIR; OLSON, 2015). O equilíbrio é essencial tanto para a sobrevivência do mosquito, como para a manutenção do ciclo viral. Esse equilíbrio não é por acaso, provém de um longo processo de co-evolução entre o mosquito e o vírus (BLAIR; OLSON, 2015) (SIM; JUPATANAKUL; DIMOPOULOS, 2014). A manutenção do ciclo viral depende da manutenção também da capacidade de mosquito de buscar novos indivíduos para picar. Parece que nessa história só o ser humano é prejudicado. Azar o nosso!
Referências
PRASAD, A. N.; BRACKNEY, D. E.; EBEL, G. D. The role of innate immunity in conditioning mosquito susceptibility to West Nile virus. Viruses, v. 5, n. 12, p. 3142–3170, 2013.
FRAGKOUDIS, R. et al. SemlikiForest virus strongly reduces mosquito host defence signaling. Insect Molecular Biology, v. 17, n. 6, p. 647–656, 2008
OLSON, K. E.; BLAIR, C. D. Arbovirus–mosquito interactions: RNAi pathway. Current Opinion in Virology, v. 15, p. 119–126,2015.
XI, Z.; RAMIREZ, J. L.; DIMOPOULOS, G. The Aedes aegypti toll pathway controls dengue virus infection. PLoSPathogens, v. 4, n. 7, 2008.
CHENG, G. et al. Mosquito defense strategies against viral infection. Trends Parasitology, v. 32, n.3, p. 177-186, 2016.
BLAIR, C. D.; OLSON, K. E. Therole of RNA interference (RNAi) in Arbovirus – Vector Interactions. Viruses,v. 7, n. 2, p. 820–843, 2015.
SIM, S.; JUPATANAKUL, N.; DIMOPOULOS, G. Mosquito Immunity against Arboviruses. Viruses, v. 6, n. 11, p. 4479–4504,2014.
SÁNCHEZ-VARGAS, I. et al. DengueVirus Type 2 Infections of Aedes aegypti Are Modulated by the Mosquito's RNA Interference Pathway. PLoS Pathogens, v. 5, n. 2, 2009.
CIRIMOTICH, C. M. et al. Suppression of RNA interference increases alphavirus replication and virus-associated mortality in Aedes aegypti mosquitoes. BioMed Central Microbiology, v. 9, n. 49, 2009.
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