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Terapia gênica contra a obesidade


A obesidade é hoje uma epidemia mundial. Há 10 anos, 10 % dos adultos do mundo eram obesos. Uma estimativa indica que o 95 % dos brasileiros estarão obesos ou sobrepesados (vulgo, gordinhos) em 2050. Alarmante! Como a obesidade costuma vir acompanhada de outras doenças, como diabetes, pressão alta, e colesterol e triglicerídeos altos, ela mata mais de três milhões de pessoas por ano. O SUS deveria gastar 330 bilhões de dólares (sim, BILHÕES!) só para tratar essas doenças nos próximos 40 anos. É muito dinheiro! Por isso, muitos cientistas estão buscando novas formas de tratar a obesidade.

Mas para isso, é preciso entender como a obesidade termina por causar outras doenças. Por exemplo, já sabemos que existe uma relação entre a obesidade e o sistema de defesa (imune) do corpo. Na obesidade, o tecido adiposo (que é responsável por acumular as gorduras no corpo; vulgo, as gordurinhas) chega ao seu limite de acúmulo de gorduras e fica doente; como resultado o corpo responde, aumentando a inflamação no local. E essa inflamação está diretamente relacionada ao surgimento da diabetes, por exemplo.

Pensando nessa questão, um grupo de cientistas dos Estados Unidos testou um tratamento genético em camundongos obesos. Os pesquisadores injetaram DNA contendo o gene IL-6, que produz uma espécie de hormônio do sistema de defesa do corpo e está envolvido com a inflamação, para que o animal produzisse mais desse hormônio. E funcionou: os camundongos tinham mais IL-6 no sangue, que era produzido principalmente pelo fígado, músculos e tecido adiposo marrom (que é responsável por gerar calor). Mais ainda: os camundongos que produziam mais IL-6 começaram a emagrecer, mesmo sem diminuir a quantidade de ração de comiam.

Como isso foi possível? Os cientistas descobriram que o tecido adiposo marrom era mais ativo! Ou seja, com a produção de IL-6, ele tinha menos gordura acumulada, e era mais capaz de degradar e queimar os estoques de gordura. Provavelmente, isso estava acelerando o emagrecimento dos animais.

Os cientistas aprofundaram a investigação olhando o tecido adiposo, dessa vez o branco, mais envolvido com o estoque de gordura, desses animais, que eram menores e tinham células também menores, o que é uma indicação de um tecido mais saudável. Além disso, esse tecido tinha uma atividade gênica mais voltada para o uso e queima das gorduras estocadas.

O fígado dos camundongos também era mais saudável: ele tinha menos gordura. A presença de gordura no fígado está relacionada à obesidade e pode ajudar no desenvolvimento da diabetes. Esses animais também tinham menos gordura e colesterol no sangue. Como isso acontece? Os pesquisadores analisaram a atividade dos genes no fígado dos camundongos e descobriram que ele tinha uma redução na atividade dos genes responsáveis pela produção de gordura.

A produção de IL-6 também afetava os músculos, que apresentaram uma tendência a queimar mais gorduras.

Os camundongos que produziam mais IL-6 também tiveram a quadro de diabetes corrigido. Eles tinham uma quantidade de menor de açúcar e de insulina no sangue, indicando que eles estavam mais saudáveis que os animais não tratados.

Mas a IL-6 não está envolvida com a inflamação? Sim, e os pesquisadores também investigaram esse aspecto. A produção de IL-6 tinha um efeito anti-inflamatório sobre diversos tecidos, incluindo o tecido adiposo. Isso poderia combater a inflamação causada pela obesidade e deixar o animal mais saudável, corrigindo problemas associados como a diabetes.

O uso de diversas formas de tratamento do DNA (chamada terapia gênica) ainda é novo e suas condições precisam ser aprimoradas. Além disso, outros fatores envolvidos no uso da IL-6 precisam ser definidos e investigados, já que ela também pode causar outras doenças. Dessa forma, talvez possam existir efeitos adversos no uso em pacientes. Os resultados são muito promissores, mas ainda há um grande caminho até um tratamento.

Referência
 
MA, Y. et al. Interleukin-6 gene transfer reverses body weight gain and fatty liver in obese mice. Biochimica et Biophysica Acta, v. 1852, n. 5, p. 1001–1011, 2015.

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