Pular para o conteúdo principal

Não somos gordos por não fazer exercícios


Como já escrevi aqui antes, a obesidade é a epidemia de século XXI. Um décimo da população do mundo está obeso e a obesidade aumenta os riscos de diabetes, infartos e até determinados tipos de câncer. Mas por que a obesidade não para de aumentar? O seu peso se equilibra como uma balança e depende do quanto você gasta de energia e do quanto você gasta. Se você comer demais ou gastar energia de menos, engorda. O contrário é verdadeiro; se você come pouco ou gasta muita energia, emagrece. Assim, dois fenômenos, em conjunto, podem explicar o aumento da obesidade. Primeiro, o consumo de alimentos com muita gordura e açúcar, principalmente os industrializados. Esses tipos de alimentos aumentaram o quanto as pessoas comem de energia e logo elas devem engordar. Segundo, a vida moderna reduz o quanto somos ativos durante nossos dias. Veículos motorizados fizeram com que as pessoas andassem menos (tem gente nem corre atrás do ônibus; espera o próximo), máquinas reduziram a força que é necessária para vários tipos de trabalhos braçais, muitos empregos se resumem a uma mesa, um computador e nenhuma movimentação. Menos atividade pode significar menos gasto de energia, e logo as pessoas devem engordar.

Mas como analisar e tentar provar essas hipóteses? Para isso, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos, Tanzânia e Reino Unido foram estudar o metabolismo do povo Hadza, uma tribo de caçadores e coletores que vivem de modo primitivo e sem auxilio de veículos ou armas, na região central da Tanzânia. Assim eles poderiam estudar o efeito da tecnologia e redução da atividade física sobre o metabolismo e o peso das pessoas.

Assim, os cientistas compararam três grupos de pessoas: o povo Hadza da África, estadunidenses típicos e agricultores tradicionais da Bolívia. Os homens da tribo Hadza andavam em média 11 km por dia (e você se achando o máximo por correr 10 km a cada três meses) e os agricultores tinham uma grande demanda de trabalho na lavoura, logo eles eram mais ativos que os americanos.

Como esperado, os americanos eram mais pesados que os Hadza. Enquanto os americanos tinham um índice de massa corporal (uma forma de estimar a obesidade) em torno de 26 kg/m2 (considerado sobrepesado, ou “gordinho”), os Hadza tinham uma média de 20 kg/m2 (que é saudável, mas no limite de baixo, quase magro demais). A quantidade de gordura no corpo também era maior nos americanos.

Porém, quando a quantidade de energia gasta por dia foi medida diretamente, surpresa!; não havia diferença! Ou seja, um Hadza que anda 11 km e um americano que fica sentado vendo NBA na televisão gastam a mesma quantidade de energia no final do dia!

A conclusão dos pesquisadores é a seguinte: nosso corpo se adapta ao nosso estilo de vida para poupar energia. Como os Hadza são muito ativos, o seu corpo reduz o metabolismo basal de forma a evitar o gasto de energia. Como os estadunidenses são pouco ativos, a energia sobra e o corpo não se preocupa em poupar, logo o metabolismo basal é mais alto. No final das contas, as coisas se compensam e Hadza e homem moderno gastam a mesma quantidade de energia a cada dia.

Assim, podemos especular que a causa da obesidade não é a falta de exercício do mundo pós-moderno, mas sim o excesso de alimentos ricos em calorias que consumimos. E isso levanta uma segunda pergunta: será que os exercícios físicos tem alguma importância no emagrecimento? Ou será que uma boa dieta é mais que o suficiente?

Referência:

PONTZER, H. et al. Hunter-gatherer energetics and human obesity. PLoS ONE, v. 7, n. 7, p. e40503, 2012.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch