O título dessa postagem é uma surpresa? Se eu te oferecesse um tratamento de saúde inventado por volta do ano 1800, quando ainda eram usadas sangrias e outros métodos estranhos, o que você acharia? Então, a homeopatia foi criada em 1796, pelo alemão Samuel Hahnemann. A teoria homeopática de Hahnemann se baseia em três princípios que não tem qualquer sustentação científica hoje: 1) doenças são causadas por miasmas; 2) semelhante cura semelhante; e 3) diluição aumenta a potência.
O que a ciência moderna diz sobre esses conceitos? Os miasmas de Hahnemann seriam princípios infecciosos. Cada doença teria um miasma. Quando uma pessoa fosse exposta a esse miasma, ela apresentaria sintomas locais como problemas de pele. Segundo Hahnemann, os tratamentos da época faziam os miasmas se esconderem no corpo e atacarem órgãos internos, causando todas as doenças. Obviamente, os miasmas não existem. As doenças são causas por diferentes problemas, como defeitos genéticos, infecções por micro-organismos, etc., mas não miasmas. Mas para Hahnemann, a homeopatia evitaria o agravamento das doenças, através da cura pelo semelhante. O que nos leva ao segundo ponto.
A cura pelo semelhante prevê que dar um composto que cause um sintoma ajuda a combater o próprio sintoma. É confuso mesmo. Por exemplo, o consumo de cafeína faz o coração disparar, e isso é um dos sintomas da arritmia cardíaca. Então, segundo a cura pelo semelhante, a cafeína poderia ser usada para tratar a arritmia cardíaca. Mas você daria uma xícara de expresso duplo para alguém com coração disparado? Isso leva ao último princípio de Hahnemann.
Segundo a hipótese homeopática, quanto mais diluída uma substância, maior o seu poder de cura. Nesse raciocínio, um copo daquele café americano ralo teria mais efeito que um expresso italiano. Então, o tratamento homeopático é feito com compostos extremamente diluídos. Muitas vezes, tão diluídos que os comprimidos e soluções não tem mais nenhuma molécula do composto ativo, apenas água.
Então, a homeopatia trata miasmas (que não existem) com compostos diluídos (basicamente só água) que causam os mesmos sintomas que devem tratar.
Mas funciona?
A questão é obviamente polêmica; mas uma coisa em que os defensores e opositores da homeopatia concordam é que a maior parte dos estudos é mal feita. Outro problema é o conflito de interesses: grande parte dos estudos que indicam que a homeopatia funciona foi feita por cientistas financiados por instituições homeopatas. Esses dois fatos impedem qualquer tipo de conclusão até que pesquisas bem feitas e isentas sejam realizadas.
Pelo menos três trabalhos de revisão da literatura científica, que analisaram diversos estudos sobre o efeito da homeopatia, concluíram que o tratamento não tem nenhum efeito (ERNST, 2002, 2010; SHANG et al., 2005). Porém, defensores da homeopatia criticaram duramente o trabalho de Shang e colaboradores por ter selecionado os estudos analisados de modo tendencioso, talvez para tentar mostrar que a homeopatia não funciona (LÜDTKE; RUTTEN, 2008). Ainda assim, a homeopatia teria um efeito muito pequeno, se algum.
Outros trabalhos financiados por associações homeopáticas mostraram que o tratamento tem um efeito pequeno ou possível, e específico para alguns casos, mas a confiabilidade desses é duvidosa (KASSAB et al., 2009; MATHIE et al., 2014; PECKHAM et al., 2013).
A única certeza parece ser que o tratamento é seguro e sem efeitos colaterais (DANTAS et al., 2007).
Concluindo: ainda não existe nenhuma evidência científica de que a homeopatia funcione, e ela está baseada em três princípios com pouquíssimo (nenhum?) suporte. Eu nunca me trataria através de homeopatia contra qualquer tipo de problema. Por outro lado, tomar água em conta-gotas ou pílula de açúcar não faz mal a ninguém (a não ser que você seja diabético...); então fique a vontade.
Referências:
DANTAS, F. et al. A systematic review of the quality of homeopathic pathogenetic trials published from 1945 to 1995. Homeopathy, v. 96, n. 1, p. 4–16, 2007.
ERNST, E. A systematic review of reviews of systematic reviews of homeopathy. British Journal of Clinical Pharmacology, v. 54, p. 577–582, 2002.
ERNST, E. Homeopathy: What does the “best” evidence tell us? Medical Journal of Australia, v. 192, n. 8, p. 458–460, 2010.
KASSAB, S. et al. Homeopathic medicines for adverse effects of cancer treatments. The Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 2, p. CD004845, 2009.
LÜDTKE, R.; RUTTEN, A. L. B. The conclusions on the effectiveness of homeopathy highly depend on the set of analyzed trials. Journal of Clinical Epidemiology, v. 61, n. 12, p. 1197–1204, 2008.
MATHIE, R. T. et al. Randomised placebo-controlled trials of individualised homeopathic treatment: systematic review and meta-analysis. Systematic Reviews, v. 3, p. 142, 2014.
PECKHAM, E. J. et al. Homeopathy for treatment of irritable bowel syndrome. The Cochrane Database of Systematic Reviews., v. 11, n. 11, p. CD009710, 2013.
SHANG, A. et al. Are the clinical effects of homoeopathy placebo effects? Comparative study of placebo-controlled trials of homoeopathy and allopathy. Lancet, v. 366, p. 726–732, 2005.
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