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Doce para mosquito: tal pai, tal filho


Os insetos usam vários sentidos para andar pelo ambiente onde vivem: a visão, usando seus grandes e complexos olhos compostos, e o tato, sentindo vibrações através das patas, entre outros. Mas talvez o olfato seja o sentido mais importante para esses animais. Uma mariposa macho pode cheirar os feromônios liberados por uma fêmea da mesma espécie a quilômetros de distância. E os insetos que bebem sangue (chamados de hematófagos, incluindo mosquitos, barbeiros e as malditas mutucas que não me deixaram em paz no último final de semana na Chapada dos Veadeiros) acham você para fazer uma boquinha pelo cheiro que você exala.

O cheiro que você tem pode mudar devido a muitas alterações no ambiente ou fisiológicas: depois de correr em volta do Maracanã seu cheiro muda (para pior, provavelmente), as bactérias que vivem na sua pele devem ser responsáveis por parte do seu cheiro (e as bactérias variam entre as pessoas), etc... O Rodrigo escreveu aqui sobre um trabalho científico mostrando como a infecção por malária pode mudar o cheiro do paciente. Mas nós produzimos um cheiro próprio que vem das substâncias que nosso metabolismo produz, e isso deve ser regulado pelos nossos genes. Sendo assim, será que o cheiro de uma pessoa (e assim, sua capacidade de atrair mosquitos) é regulado geneticamente, e pode passar de pai para filho?

Cientistas do Reino Unido e dos Estados Unidos usaram irmãs gêmeas para responder essa pergunta. Por que gêmeas? Porque as gêmeas idênticas (chamadas monozigóticas) têm exatamente o mesmo DNA, e assim os mesmo genes; já as gêmeas não idênticas (chamadas dizigóticas) compartilham apenas 50 % do DNA, como os irmãos não-gêmeos. Assim, se a capacidade de atrair mosquitos for definida pelos genes, as gêmeas idênticas devem ter a mesma capacidade, enquanto as gêmeas não idênticas, não necessariamente.

Os pesquisadores então usaram uma espécie de túnel fechado em forma de Y; em uma ponta, mosquitos da espécie Aedes aegypti, nosso famoso arqui-inimigo que transmite a Dengue e a Zika, foram liberados em uma ponta, enquanto as irmãs colocaram uma das mãos nas outras pontas. Os mosquitos eram atraídos pelo cheiro das mãos e tinham que escolher para qual mão ir (mas eles não conseguiam chegar até a mão, então ninguém foi picado, não se preocupem). Os cientistas viram que existe uma correlação maior entre as gêmeas idênticas do que entre as gêmeas não idênticas na capacidade de atrair mosquitos, indicando que realmente existe um fator genético nessa característica.

Ainda não é possível saber qual gene é responsável por fazer você ter sangue doce para mosquitos; o mais provável é que seja um conjunto de genes. De qualquer forma, esse resultado é importante para tentarmos descobrir como a relação entre homem e mosquito evoluiu e como podemos usar isso para criar repelentes melhores ou até individuais. Mas por enquanto lembre-se: se você é um banquete para mosquitos, seus filhos têm grande chance de serem também!

Referência
 
FERNÁNDEZ-GRANDON, G. M. et al. Heritability of attractiveness to mosquitoes. PLoS ONE, v. 10, n. 4, p. e0122716, 2015.

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