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A fonte da juventude pode estar no prato... vazio?


A cada verão surgem novas dietas que prometem emagrecer, chapar barriga, crescer músculo, trazer a pessoa amada em três dias, etc... Já teve dieta da sopa, da USP, do tipo sanguíneo, dieta dos sucos, da lua, do Dr. Atkins, de South Beach, e por aí vai. Nos últimos anos, duas dietas (ou, melhor dizendo, padrões alimentares) ganharam atenção na Internet e na mídia: o jejum intermitente e a dieta 5:2. O jejum intermitente basicamente não restringe o que você pode comer; ele restringe as horas em que você pode comer. Sabe aquela história de que o café-da-manha é a refeição mais importante do dia e que devemos comer de três em três horas? Esquece! Nesse padrão alimentar, você deve pular o café-da-manha (sua primeira refeição será o almoço) e você deve parar de comer pelo menos três horas antes de ir dormir. Ou seja, você fica em jejum por mais ou menos 17 horas todo dia, e come nas outras 7 horas. Já a dieta 5:2 recomenda que em dois dias da semana você coma apenas 20 % (ou seja, cinco vezes menos) das calorias consumidas normalmente. Em teoria, isso causaria um efeito chamado restrição calórica.

Mas existe alguma evidência de que jejum intermitente ou restrição calórica realmente tragam benefícios para a saúde? Na verdade, sim!

O jejum intermitente já foi testado com sucesso em alguns modelos animais. Pesquisadores americanos alimentaram camundongos com uma ração rica em gordura sob o regime normal (com comida a vontade a qualquer momento) ou sob jejum intermitente (com comida a vontade por apenas 8 horas por dia). Embora os dois grupos comessem a mesma quantidade de ração, os animais sob jejum intermitente simplesmente tinham maior dificuldade em engordar. Assim, enquanto os animais controles ficaram obesos, diabéticos, com problemas no fígado (acúmulo de gordura) e com níveis altos de colesterol no sangue, os animais sob jejum intermitente eram totalmente saudáveis. A explicação para isso é que o jejum intermitente muda o metabolismo do camundongo, diminuindo o acúmulo de gordura e aumentando a queima delas, num processo chamado termogênese (que é a geração de calor nas células através da liberação de energia na quebra de moléculas como gorduras e açúcares) (HATORI et al., 2012). Porque isso acontece ainda é um mistério. Resultados semelhantes foram obtidos com mosca-da-fruta, onde o jejum intermitente melhorou o sono, e preveniu a obesidade e problemas cardíacos associados com o envelhecimento nos insetos (GILL et al., 2015). E diversas outras pesquisas mostram que o jejum intermitente leva a uma redução do peso e da gordura acumulada na barriga, e dos níveis de colesterol, triglicerídeos, glicose e insulina em ratos e camundongos (AZEVEDO; IKEOKA; CARAMELLI, 2013; ROTHSCHILD et al., 2014). Isso reduz os riscos de doenças do coração, derrames e diabetes (MATTSON; WAN, 2005).

Já a restrição calórica é um padrão alimentar que consiste na redução das calorias em torno de 30 %, mas mantendo uma alimentação balanceada. Estudos com vários modelos, incluindo leveduras, vermes, insetos, camundongos e macacos, mostraram que a restrição calórica melhora a saúde do organismo, além de aumentar o tempo de vida dos animais. Isso mesmo; os animais vivem por mais tempo e são mais saudáveis. De alguma forma, a restrição calórica atrasa o envelhecimento (TAORMINA; MIRISOLA, 2014). A hipótese atual indica que a redução do consumo de calorias causa uma mudança do metabolismo, aumentando a quebra de gorduras e a proteção das células contra danos, o que frearia o envelhecimento.

Mas isso funciona na gente? Ainda existem poucos estudos controlados sobre jejum intermitente e restrição calórica em humanos. Porém eles indicam que essas intervenções alimentares podem reduz o peso, o risco de doenças do coração e diabetes, e os níveis de triglicerídeos, glicose e colesterol no sangue, além de proteger o cérebro contra doenças senis associadas ao envelhecimento, como Alzheimer e Parkinson (BARNOSKY et al., 2014; DOLINSKY; DYCK, 2011; HORNE; MUHLESTEIN; ANDERSON, 2015; MARTIN; MATTSON; MAUDSLEY, 2006; ROTHSCHILD et al., 2014). Medir longevidade em humanos é difícil porque o experimento é longo, mas existem indícios de que as pessoas possam viver mais devido a sua melhor saúde. Porém, todos os grupos de pesquisa reconhecem que os resultados ainda são esparsos e que mais estudos são necessários para a obtenção de conclusões sólidas e para o início da recomendação clínica.

Algumas pessoas (e pesquisadores) adeptas de teorias de conspiração clamam que esses resultados são ignorados e escondidos pela indústria farmacêutica, que acabaria por perder muitos pacientes, já que eles se curariam sem os remédios vendidos. Eu discordo. A indústria farmacêutica tem diversos grupos trabalhando nesses assuntos, mas não para estudar qual é a melhor forma de fazer essas dietas, e sim entender como elas modificam o metabolismo do organismo. Sabendo como isso funciona, ela vai poder desenvolver novos compostos que “enganem” o organismo, o fazendo pensar que está sobre restrição calórica ou jejum intermitente. E as farmácias vão vender, e muito, esse novo remédio. O que vocês acham que as pessoas preferem? Pular o café-da-manha, ficar dois dias da semana comendo cinco vezes menos, ou continuar comendo qualquer coisa e tomar um comprimido antes de dormir?

Referências

AZEVEDO, F. R. DE; IKEOKA, D.; CARAMELLI, B. Effects of intermittent fasting on metabolism in men. Revista da Associação Médica Brasileira (1992), v. 59, n. 2, p. 167–173, 2013.

BARNOSKY, A. R. et al. Intermittent fasting vs daily calorie restriction for type 2 diabetes prevention: a review of human findings. Translational Research : The Journal of Laboratory and Clinical Medicine, v. 164, n. 4, p. 302–311, 2014.

DOLINSKY, V. W.; DYCK, J. R. B. Calorie restriction and resveratrol in cardiovascular health and disease. Biochimica et Biophysica Acta (BBA) - Molecular Basis of Disease, v. 1812, n. 11, p. 1477–1489, 2011.

GILL, S. et al. Time-restricted feeding attenuates age-related cardiac decline in Drosophila. Science, v. 347, n. 6227, p. 1265–1269, 2015.

HATORI, M. et al. Time-restricted feeding without reducing caloric intake prevents metabolic diseases in mice fed a high-fat diet. Cell metabolism, v. 15, n. 6, p. 848–860, 2012.

HORNE, B. D.; MUHLESTEIN, J. B.; ANDERSON, J. L. Health effects of intermittent fasting: hormesis or harm? A systematic review. The American Journal of Clinical Nutrition, v. 102, n. 2, p. 464–470, 2015.

MARTIN, B.; MATTSON, M. P.; MAUDSLEY, S. Caloric restriction and intermittent fasting: Two potential diets for successful brain aging. Ageing Research Reviews, v. 5, n. 3, p. 332–353, 2006.

MATTSON, M. P.; WAN, R. Beneficial effects of intermittent fasting and caloric restriction on the cardiovascular and cerebrovascular systems. Journal of Nutritional Biochemistry, v. 16, n. 3, p. 129–137, 2005.

ROTHSCHILD, J. et al. Time-restricted feeding and risk of metabolic disease: A review of human and animal studies. Nutrition Reviews, v. 72, n. 5, p. 308–318, 2014.

TAORMINA, G.; MIRISOLA, M. G. Calorie restriction in mammals and simple model organisms. BioMed Research International, v. 2014, p. 308690, 2014.

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