Pular para o conteúdo principal

Novo método de identificação de DNA pode mudar transplantes e investigações criminais


Se você tem menos de vinte anos e é fã de CSI (qualquer um), provavelmente pensou em ser perito criminal da polícia civil. Mas, infelizmente, aquilo não passa de ficção e as investigações criminais por todo mundo estão longe de terem toda aquela tecnologia. Por exemplo, os assassinos teriam muito tempo para fugir se dependesse das evidências de DNA encontradas na cena do crime. No CSI, o cabelo do suspeito é colocado em uma máquina (que não existe) e a identidade do assassino sai em questão de minutos. No mundo real, o DNA do cabelo do suspeito teria que ser extraído em um processo cuidadoso para evitar danos e contaminação do material genético. Se houver DNA suficiente, esse seria então amplificado no laboratório e em seguida analisado e comparado com um banco de dados. O processo levaria, na melhor das hipóteses, alguns dias (isso se nada der errado no processo, fazendo com que ele volte para o início). Se a amostra tiver DNA de duas pessoas, já era; fica basicamente impossível identificar o assassino (na vida real, claro; no CSI, uma super-máquina separaria os DNAs rapidamente).

Desistiu de ser perito? Calma! Pesquisadores americanos publicaram no ano passado um método de identificação (quase) digno do CSI. Atualmente, as pessoas são identificadas através do DNA por regiões do genoma chamadas de microssatélites. Esses microssatélites parecem não ter função no DNA e são muito variáveis, em termos de tamanho, entre os indivíduos. Assim, cada pessoa no mundo tem um padrão único de tamanhos de microssatélites e é possível ligar cada DNA a seu dono. Os testes de paternidade funcionam da mesma forma; o filho em questão vai ter uma combinação do padrão de microssatélites do pai e da mãe. Se o moleque não tiver algum microssatélite que não vem da mãe ou do suspeito pai, o cara se livra da pensão. Mas essas análises enfrentam os problemas acima: as amostras de DNA precisam estar em boas condições e quantidade, puras, e o processo é demorado. O que os pesquisadores americanos exploraram então foi uma diferença ainda mais abundante entre o DNA das pessoas: diferenças pontuais na sequência do genoma (os chamados SNPs).

Mas para isso, é preciso sequenciar o DNA das pessoas diretamente (como o filme Gattaca, mas obviamente não tão fácil e rápido, ainda). Isso só se tornou possível porque os custos para se sequenciar DNA caíram rapidamente com o surgimento de novas tecnologias, chamadas de sequenciamento de nova geração (não tão rapidamente quanto o preço do petróleo...). Assim, os cientistas escolheram uma região específica do DNA humano onde são conhecidas 17 mutações pontuais na sequência, o que dá um grande número de possíveis combinações. E eles conseguiram identificar o DNA onde ele era 0,01 % do total da amostra, fazendo desse método pelo menos 100 vezes mais sensível do que o que usa os microssatélites. Além disso, como as amostras têm as sequências lidas e não dependem de um perfil de tamanho, mesmo DNA contaminados com outros materiais genéticos podem ser analisados. Por exemplo, se dois suspeitos deixam amostras de DNA no mesmo local, ambos podem ser identificados.

Além de auxiliar na investigação criminal, o novo método também pode mudar a forma de avaliar transplantes de órgãos e medula óssea. Hoje, o principal tratamento para alguns tipo de leucemia é o transplante de medula, quando existe um doador compatível. Depois, a presença de células cancerígenas poderá ser mais facilmente detectada com o novo método. Já no transplante de órgãos sólidos, quando há suspeita de rejeição, o paciente precisa passar por uma biópsia invasiva; o novo método de identificação de DNA poderá fazer o mesmo com um simples exame de sangue.

Se cuida, CSI!

Referência
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch