O surgimento e a proliferação das superbactérias é um grande problema para a saúde pública. O aparecimento dessas bactérias que sobrevivem a diferentes antibióticos acontece devido ao uso errado ou indiscriminado dos próprios antibióticos.
Como funciona? Digamos que você esteja com uma dor de garganta e o médico te receita um antibiótico para ser tomado por sete dias. Mas depois de quatro dias, você já não tem mais os sintomas da infecção e para de tomar o remédio. Não ter mais dor de garganta não quer dizer que o antibiótico matou todas as bactérias; na verdade ele apenas reduziu bastante a população delas, mas deixou viva uma pequena parte, que era naturalmente um pouco mais resistente que o resto. Pode ser que essa pequena população de bactérias volte a crescer na sua garganta, causando um novo episódio de dor e um novo ciclo de tratamento com antibiótico. Se você não tomar o remédio do modo certo de novo, novamente uma parte mais resistente da população de bactérias vai sobreviver e voltar a crescer. Depois de algum tempo, o antibiótico não vai nem fazer cócegas na sua dor de garganta e você vai ter que tomar remédios mais fortes.
Tomar antibióticos errados ou sem necessidade tem efeito similar sobre o surgimento de bactérias super-resistentes. Por isso, hoje os antibióticos só são vendidos com receita médica. Um agravante é causado pela biologia das bactérias: elas são capazes de passar cópias de seus genes para outras bactérias da população, espalhando a resistência aos antibióticos ainda mais rápido.
A indústria farmacêutica e grupos de pesquisa pelo mundo vêm tentando descobrir novas classes de antibióticos para vencer a luta contra as bactérias super-resistentes, mas isso tem se mostrado lento, caro e com pouco sucesso. Porém, uma nova técnica de biologia molecular pode mudar a forma como tratamos infecções bacterianas ou como lidamos com as bactérias no meio ambiente. Isso foi mostrado por pesquisadores americanos em um trabalho publicado no ano passado.
Os cientistas usaram um método recém-descoberto que é capaz de “apagar” genes de organismos de forma muito específica, usando um tipo de RNA. Os pesquisadores modificaram em laboratório vírus que infectam especificamente bactérias (chamados de bacteriófagos). Esses bacteriófagos carregavam e transmitiam para as bactérias infectadas RNAs desenhados especialmente para desligar seus genes.
Que genes eram esse? Na verdade, qualquer gene pode ser um alvo, e essa é a graça desse sistema. Primeiro, os cientistas usaram como alvos genes que tornavam as bactérias resistentes a antibióticos da classe da ampicilina e as bactérias ficaram pelo menos mil vezes mais sensíveis a droga. Depois, os pesquisadores “apagaram” o gene que tornava as bactérias resistentes a antibióticos da classe da quinolona. O resultado foi ainda melhor; bactérias 10 mil vezes mais sensíveis. O efeito é bem rápido; em cerca de 1 hora, 99 % das bactérias já tinham morrido.
Como isso foi feito em culturas de bactérias, os cientistas verificaram o efeito sob um organismo infectado. Não foram usados nem humanos, nem camundongos, mas lagartas de mariposa! O dobro de insetos tratados com os bacteriófagos após a infecção sobreviveu quando comparados com as lagartas não tratados.
A técnica não será útil apenas no tratamento de infecções, mas também poderá ser usada para retirar do ambiente especificamente as bactérias não desejadas. No laboratório, os cientistas cultivaram três bactérias juntas e, usando os bacteriófagos, foram capazes de eliminar uma delas sem interferir com as outras.
Embora o estudo ainda seja inicial, é animador pensar que poderemos no futuro “deletar” a resistência a antibióticos das bactérias. O que não quer dizer que podemos usar esses remédios de modo errado e irresponsável.
Referência
CITORIK, R. J.; MIMEE, M.; LU, T. K. Sequence-specific antimicrobials using efficiently delivered RNA-guided nucleases. Nature Biotechnology, 32, 11, 1141–1145, 2014.
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