Pular para o conteúdo principal

Novo caminho para o tratamento do diabetes

Fonte: www.mundodastribos.com

O diabetes, doença caracterizada pelos altos níveis de açúcar no sangue, atinge cerca de 20 milhões de brasileiros. A doença é classificada em dois tipos. No diabetes tipo I, a pessoa é incapaz de produzir ou liberar o hormônio insulina, responsável por fazer as células do corpo, principalmente fígado, músculos e tecido adiposo (que acumula gordura), pegarem a glicose do sangue. O diabetes tipo I normalmente aparece ainda na infância e esses indivíduos são tratados com o recebimento de doses injetáveis de insulina. Já no diabetes tipo II, as pessoas produzem insulina (na maioria das vezes até demais), mas as células não são capazes de “sentir” o hormônio e não retiram o açúcar do sangue, o que faz com que a glicose permaneça alta. O diabetes tipo II está claramente associada à obesidade e é uma doença crônica, que pode levar ao entupimento dos vasos sanguíneos (aterosclerose), danos na retina (que pode levar até a cegueira), pressão alta, problemas de coagulação (que podem levar ao infarto, ao derrame e a amputações) e problemas renais. Embora já existam alguns remédios para combater o diabetes tipo II, a doença é hoje uma pandemia global e os gastos da saúde pública com as suas complicações são enormes. Por isso, vários grupos de cientistas pelo mundo estudam novas formas de curar ou remediar a doença.

Um desses grupos, formado por pesquisadores americanos, publicou seus resultados na revista Nature, onde um novo alvo foi investigado. Os cientistas estudaram uma proteína, chamada IDE, que é uma protease, ou seja, é capaz de degradar outras proteínas. Uma das proteínas destruídas é a insulina. Os pesquisadores achavam que se eles fossem capazes que impedir a ação da IDE, sobraria mais insulina no sangue e as células retirariam mais glicose de circulação. Porém não é simples assim.

Mais de dez anos atrás, outro grupo americano criou um camundongo transgênico que não possuía o gene da IDE. Como esperado, a insulina não era destruída e fica alta no sangue, porém os animais também eram diabéticos. Isso acontece, provavelmente, pelo excesso de insulina, que dessensibiliza as células, que param de sentir o hormônio, mesmo em alta quantidade (lembre-se do que sua vó dizia: “tudo em excesso faz mal”). Assim, os pesquisadores precisavam de outra estratégia.

Eles procuraram em uma biblioteca de quase 14 mil compostos por possíveis inibidores da IDE e encontram seis moléculas que impediam a sua ação. Os cientistas escolheram uma delas para trabalhar em animais. Os camundongos receberam uma injeção com o composto e depois tomaram uma bebida doce (em um sistema parecido com o exame de sangue que os médicos pedem para investigar se um paciente está diabético). Os animais tratados apresentaram níveis de açúcar menores que os controles (que não receberam a nova molécula), indicando uma melhor resposta da insulina. Camundongos obesos (que acabam apresentando diabetes tipo II, assim como nós) também melhoraram seus níveis de açúcar no sangue.

Os cientistas também descobriram que a IDE pode destruir outros dois hormônios importantes para os níveis de glicose no sangue: a amilina e o glucagon. E isso é bom e ruim. É bom porque a amilina diminui a passagem de comida pelo estômago, mantendo a pessoa sem fome por mais tempo. Assim, esse novo composto pode reduzir a fome e funcionar como um redutor de apetite (mas isso é apenas uma hipótese, já que isso ainda não foi testado). Mas é ruim porque o glucagon tem efeitos contrários aos da insulina e age para aumentar os níveis de glicose no sangue. Isso pode explicar, em parte, porque o animal transgênico sem IDE acaba ficando diabético.

Isso deixou os cientistas cautelosos. Eles escreveram que assim, para que esse novo composto seja transformado em um remédio no futuro, será necessário modifica-lo para que ele tenha um efeito curto, logo após a alimentação. Ou ele terá que ser tomado junto com outro composto que bloqueie a ação do glucagon, evitando um aumento indesejável dos níveis de glicose no sangue. De qualquer forma, ainda vamos precisar esperar entre cinco a 10 anos para ver esse novo remédio nas farmácias, o que não diminui a esperança de termos mais uma arma para combater o diabetes.

Referências

FARRIS, W. et al. Insulin-degrading enzyme regulates the levels of insulin, amyloid beta-protein, and the beta-amyloid precursor protein intracellular domain in vivo. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 100, n. 7, p. 4162-7, 2003.

MAIANTI, J. P. et al. Anti-diabetic activity of insulin-degrading enzyme inhibitors mediated by multiple hormones. Nature, v. 511, n. 7507, p. 94–8, 2014.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch