Pular para o conteúdo principal

Para que sequenciar o genoma de um verme?

Fonte: info.abril.com.br
Sequenciar o genoma de um organismo significa “ler” uma monótona e longa lista de “letras”: A, T, C e G. Cada “letra” dessa é, na verdade, uma sigla para indicar um componente do DNA, que uma cadeia de moléculas chamadas nucleotídeos. A indica adenina; T, timidina; C, citidina; e finalmente G significa guanidina. Essa sequência de nucleotídeos é especifica para cada organismo e contém toda a informação genética necessária para que ele viva. E por que é interessante conhecer o genoma dos organismos? Existem vários motivos.

A gente pode se conhecer melhor. O sequenciamento do genoma humano permitiu que encontrássemos genes até então desconhecidos e pedaços inteiros de DNA que ainda não sabemos qual é a função. Várias doenças humanas são causadas por erros, pré-existentes ou adquiridos durante a vida, no genoma. O albinismo e o câncer são exemplos disso. Entender como genoma humano funciona como um todo pode ajudar a curar doenças e combater diversos problemas. Mas não é fácil; embora o genoma humano tenha sido sequenciado há quase 15 anos atrás, muito ainda é desconhecido.

A gente pode entender como a vida funciona. Alguns seres parecem não servir para nada. Por exemplo, o que a mosca-da-fruta Drosophila melanogaster, o verme Caenorhabditis elegans e planta Arabidopsis thaliana têm em comum? Além de não servirem para nada no nosso dia-a-dia, eles são excelentes modelos para os laboratórios científicos. São fácil de criar e se desenvolvem rápido (e cada um tem outras características específicas), o que faz deles os candidatos ideais para estudar o seu grupo (drosófila para os insetos e etc.). Assim, sequenciar os genomas desses seres nos ajuda a entender como a vida funciona no geral e como as espécies evoluíram.

A gente pode melhorar a nossa comida. Diferentes plantas cultivadas na agricultura, como soja, arroz e milho, e diferentes animais criados para produção de alimentos, como vaca, galinha e porco, já tiveram seu genoma sequenciado. Os estudos sobre a composição genética desses organismos podem nos permitir selecionar os melhores indivíduos, de acordo como os nossos interesses. E podemos até modificá-los geneticamente.

A gente pode se proteger de doenças antigas. A malária mata cerca de 700 mil pessoas por ano. A dengue tem 2 bilhões de pessoas sob risco de contrair a doença. 25 % da população da Bolívia pode se infectar com a doença de Chagas a qualquer momento. Em comum, todas essas doenças são transmitidas por insetos. Os genomas dos mosquitos Anopheles gambiae e Aedes aegypti já foram sequenciados, e o genoma do barbeiro Rhodnius prolixus será publicado em breve. As informações obtidas vão permitir que novas estratégias para combater esses insetos e as doenças transmitidas por eles sejam desenvolvidas.

E por que sequenciar o genoma de um verme? Acho que vocês sabem a resposta. Conhecer a fundo todos os genes dos parasitas que causam doenças na gente pode ajudar na descoberta de novos remédios. O genoma do Schistosoma mansoni, que causa a popularmente conhecida barriga-d’água, já é totalmente conhecido.

Recentemente, pesquisadores britânicos publicaram na revista Nature Genetics o sequenciamento de dois vermes, um que infecta humanos (chamado Trichuris trichiura) e um que infecta camundongos e é usado para estudos em laboratório (o T. muris). Cerca de 700 milhões de pessoas estão infectadas com esse parasita no mundo e eles podem causar colite, anemia e disenteria. Avaliando a atividade dos genes identificados, os pesquisadores encontraram diferenças entre vermes machos e fêmeas, além de genes que são específicos para cada estágio do ciclo de vida do organismo. Diferentes proteínas descobertas podem ser alvos para medicamentos que já estão disponíveis nas farmácias e que podem ser uma nova forma de se tratar essa verminose. Os cientistas também investigaram como o sistema imune do camundongo infectado responde a presença do verme, o que ajuda a entender como funciona a relação entre o verme e seu hospedeiro.

Todas essas informações geradas com certeza justificam a necessidade de sequenciar toda a informação genética de um verme.

Referência

FOTH, B. J.; TSAI, I. J.; REID, A. J.; BANCROFT, A. J.; NICHOL, S.; TRACEY, A.; HOLROYD, N.; COTTON, J. A.; STANLEY, E. J.; ZAROWIECKI, M.; LIU, J. Z.; HUCKVALE, T.; COOPER, P. J.; GRENCIS, R. K.; BERRIMAN, M. Whipworm genome and dual-species transcriptome analyses provide molecular insights into an intimate host-parasite interaction. Nature Genetics, v. 46, n. 7, p. 693-700, 2014.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch