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Um vírus contra o câncer

(Fonte: cienciasetecnologia.com)
Os vírus podem ser considerados parasitas moleculares. Eles são muitos simples, formados por um material genético protegido por uma capa de proteínas. Assim, eles dependem da célula hospedeira para tudo. Quando um vírus entra em ação, seu material genético toma a célula como “escrava” e usa o metabolismo dela para a produção do que ele precisa, mas não consegue fazer sozinho. Isso inclui mais material genético e proteínas virais. Quando um grande número de novos vírus foi formado, a célula não aguenta, rompe e libera novos vírus que vão infectar outras células próximas. Assim, a infecção se espalha pelo organismo.

Mas como os vírus tem um material genético simples, eles podem ser manipulados e transformados em laboratório de modo relativamente fácil, no melhor estilo filme de ficção científica. Podemos modificar os vírus e torná-los inofensivos para a produção de vacinas, ou usá-los para alterar a genética de plantas, ou ainda, transformá-los em armas contra células indesejadas. E aí entra a mais famosa e odiada delas: a célula tumoral.

O glioblastoma multiforme é o câncer cerebral mais comum em adultos e é extremamente agressivo. Se o diagnóstico for demorado, o tempo de vida do paciente é pequeno. O tratamento inclui cirurgia para retirada do tumor, além de quimioterapia e radioterapia. Porém, a taxa de sobrevivência dos pacientes é baixa.

Diferentes grupos de cientistas vêm tentando usar vírus modificados como uma nova forma de combater o glioblastoma. Porém, embora o vírus seja capaz de matar células tumorais em cultura, a técnica não funcionava bem quanto testada em camundongos com o câncer. Mas não se sabia porquê.

Pesquisadores americanos investigaram o problema e uma possível solução foi publicada na revista Journal of the National Cancer Institute. Os cientistas viram que depois que o vírus modificado era colocado na região do tumor em camundongos, eles não ficavam no cérebro, mas eram levados pelo fluido que banha o sistema nervoso e iam de alguma forma parar nos pulmões dos animais.

Para tentar revolver esse problema, os cientistas fizeram algo diferente: no lugar de colocar os vírus no cérebro diretamente, eles retiraram células-tronco do camundongo e as infectaram com o vírus. Essas células infectadas produzem uma grande quantidade do vírus antes de romper e os espalha pela região próxima. Isso evitaria que os vírus fossem rapidamente “lavados” do cérebro.

Primeiro, os pesquisadores testaram o novo sistema em uma cultura de células tumorais e viram que os vírus produzidos dessa forma eram capazes de matar as células cancerosas. Além disso, eles também reduziam o tamanho do tumor presente o cérebro dos camundongos.

Depois, os cientistas simularam uma operação nos moldes que são feitas em pacientes humanos: o tumor foi retirado e as células infectadas com o vírus foram colocadas na região junto com uma espécie de gel, para prevenir ainda mais que os vírus fossem levados para longe. O resultado foi que os camundongos que receberam as células infectadas viveram o dobro do que os animais que receberam os vírus diretamente ou apenas tiveram o tumor retirado.

Ainda vai demorar alguns anos de pesquisa para que essa técnica possa ser usada em humanos, mas é uma nova esperança para o combate a um câncer tão agressivo e letal. Além disso, ela vai poder ser adaptada para tratar outros tipos de câncer também.

Referência

DUEBGEN, M.; MARTINEZ-QUINTANILLA, J.; TAMURA, K.; HINGTGEN, S.; REDJAL, N.; WAKIMOTO, H.; SHAH, K. Stem cells loaded with multimechanistic oncolytic herpes simplex virus variants for brain tumor therapy. Journal of the National Cancer Institute, v. 106, n. 6, p. dju090, 2014.

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