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O que você e os corais têm em comum?

O coral Acropora digitfera (Fonte: coral.aims.gov.au)
Muitas coisas, e, entre elas, a forma como as células “se matam”, de acordo com um trabalho publicado por pesquisadores americanos na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America. Mas uma coisa de cada vez. (A propósito, os corais são animais, e não pedras, certo?) 

As evidências da evolução das espécies e da origem única da vida na Terra são esmagadoras. Por exemplo, alguns genes presentes no DNA humano podem ser encontrados na grande maioria, se não em todos, os seres vivos. O código genético (ou seja, a forma como a célula “lê o que está escrito” no DNA) também é basicamente igual em todas as formas de vida na Terra. Que a atual vida surgiu no planeta mais de uma vez ou que o ser superior criou todos os seres de modo independente, sem uma história em comum entre eles, são, no mínimo, hipóteses bem difíceis de serem sustentadas com essas e muitas outras evidências da evolução. Mas o quanto alguns processos são conservados durante a história evolutiva das espécies chega a ser surpreendente.

Muitas pessoas entendem a evolução como um processo linear, o que não é verdade. Os humanos não são descendentes dos chimpanzés e nem os atuais chimpanzés vão se tornar seres humanos em algum momento no futuro. Dessa forma, não existem os chamados “elos perdidos”. Os paleontólogos nunca vão encontrar um fóssil de um ser que era o meio do caminho entre o chimpanzé e o homem, simplesmente porque esse animal nunca existiu. Na verdade, há uns cinco milhões de anos atrás, existia uma espécie de primata que sofreu mudanças graduais, gerando duas linhagens diferentes, o homem (Homo sapiens) e o chimpanzé (Pan troglodytes). Nosso DNA é 98 % igual ao dos nossos primos chimpanzés.

Da mesma forma, podemos voltar muito no tempo, uns 550 milhões de anos atrás. Nessa época viveu um animal que deu origem aos cnidários (como os corais e as águas-vivas) e aos bilatérios (que incluem uma galera, como os vermes, os caramujos, os insetos, as estrelas-do-mar, os dinossauros e a gente). Meio bilhão de anos é muito tempo! Mas muitos processos básicos da vida se mantiveram quase inalterados.

Analisando o genoma do coral Acropora digitfera, os pesquisadores viram que esse animal tem os genes responsáveis por regular e indicar quando uma célula do organismo deve “se matar”, para o bom funcionamento do corpo como um todo (um processo chamado de apoptose). E eles são bem parecidos com os que estão presentes no nosso DNA. Ou seja, o processo de apoptose é muito mais antigo e conservado do que se esperava.

E mas do que isso: os sistemas funcionam de forma recíproca. Ou seja, quando os cientistas usaram a proteína de “sinal de suicídio” humana nas células de coral, elas começam a “se matar” em apenas 10 minutos. Além disso, o coral começa a sofrer com um processo de “branqueamento”, onde as suas células começam a perder uma alga que vive associada e é importante para a fisiologia do coral. O branqueamento é hoje a principal ameaça aos corais dos mares do mundo.

Os pesquisadores tentaram o inverso e também funciona; quando a proteína de suicídio do coral é colocada em uma cultura de células humanas, elas morrem. Se corais e humanos são parecidos em alguns pontos, imagine humanos e camundongos, que se separam na evolução a apenas uns 100 milhões de anos. E algumas pessoas insistem em dizer que a experimentação animal não prova nada...

Referência

QUISTAD, S. D.; STOTLAND, A.; BAROTT, K. L.; SMURTHWAITE, C. A.; HILTON, B. J.; GRASIS, J. A.; WOLKOWICZ, R.; ROHWER, F. L. Evolution of TNF-induced apoptosis reveals 550 My of functional conservation. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 111, n. 26, p. 9567-9572, 2014.

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