Pular para o conteúdo principal

Dor genética

(Fonte: www.drrobertorocha.com.br)
Estudos para determinar se uma doença tem fundo genético em humanos são difíceis de serem realizados, e a interpretação dos resultados tem que ser feita com cuidado. Isso porque é complicado separar o que é influência dos genes do que é efeito do ambiente onde as pessoas vivem. Por exemplo, eu citei estudos sobre a genética da obesidade algumas postagens atrás. Nesse caso, vamos pensar em uma família com excesso de peso. Os pais passaram seus genes para os filhos, mas também os criaram de acordo com os seus hábitos culturais não genéticos. Então, os seus filhos também são obesos por culpa dos genes ou dos hábitos, que podem incluir uma dieta longe de ser balanceada e pouco exercício físico? Provavelmente, os dois. Mas qual é o peso de cada um?

Para alguns estudos, o uso de modelos experimentais permite controlar todas as variáveis ambientais e analisar apenas a culpa dos genes. Por exemplo, pesquisas com as mosquinhas drosófilas permitiram identificar muitos genes envolvidos com o acúmulo de gordura e obesidade. Mas para algumas doenças, não existem modelos disponíveis. Nesse caso, os pesquisadores tentam descontar o efeito do ambiente estudando gêmeos humanos, idênticos e não idênticos. Mas como funciona?

Gêmeos idênticos, como o nome diz, são geneticamente iguais. Nesse caso, uma doença 100 % genética vai atingir os dois igualmente. Já os gêmeos não idênticos são como irmãos normais e são compartilham 50 % dos genes. Mas o mais importante é o ambiente: ambos os tipos de gêmeos nascem juntos e são, normalmente, criados sobre o mesmo teto e hábitos culturais, o que reduz a influência dos fatores do ambiente. Assim, se uma doença tem a mesma distribuição entre gêmeos idênticos e não idênticos, os genes devem ter uma culpa menor quando comparado com o ambiente.

Então, estudando mais de 4 mil pares de gêmeos idênticos e não idênticos, pesquisadores da Europa investigaram a influência genética sobre a síndrome de dor crônica. Sob essa denominação estão diferentes doenças relacionadas, como dor muscular e pélvica crônicas, síndrome do cólon irritável, síndrome do olho seco e enxaqueca. A causa da dor crônica ainda é desconhecida, o que dificulta o diagnóstico e desenvolvimento de remédios específicos para o tratamento. Essa síndrome é debilitante e tem um sério impacto econômico, por reduzir a força de trabalho. Assim, medir a influência genética e ambiental é um passo importante para entender como a doença funciona.

Com base nos dados dos gêmeos, os cientistas calcularam que a dor crônica tem um caráter genético que é passado de pai para filho e responsável por 66 % da doença. Mas o ambiente têm 34 % da culpa. Os resultados foram publicados na revista Pain (sugestivo, não?). Nas próximas etapas, os pesquisadores vão tentar identificar qual (ou, mais provavelmente, quais) gene é o responsável pela síndrome. Isso vai ajudar a entender o motivo das dores e produzir tratamentos melhores.

Referência

VEHOF, J.; ZAVOS, H. M.; LACHANCE, G.; HAMMOND, C. J.; WILLIAMS, F. M. Shared genetic factors underlie chronic pain syndromes. Pain, p. 10.1016/j.pain.2014.1005.1002, 2014.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch