Pular para o conteúdo principal

Como a célula duplica seu DNA e como podemos combater o câncer

(Fonte: bioqdocancer.blogspot.com)
Todo mundo já deve ter visto a representação de um cromossomo no núcleo de uma célula em algum lugar, nem que tenha sido no CSI. Os cromossomos são feitos do DNA da célula e, embora eles só sejam efetivamente vistos em uma etapa da vida da célula, estão sempre lá. Na maior parte do tempo, os cromossomos estão espalhados pelo núcleo da célula, formando o que se chama de cromatina. Mas tanto os cromossomos quanto a cromatina não são DNA puro; existem muitas proteínas, com as mais variadas funções, ligadas a ele. Uma dessas funções é manter a estrutura da cromatina e as proteínas chamadas histonas são responsáveis por ela (mas não somente; isso talvez fique para outra postagem). Sempre que a célula vai se dividir para gerar duas células-filhas, ela também precisa duplicar o seu DNA; caso contrário, sobraria metade para cada célula e elas não sobreviveriam.

Ai começa o problema: a célula precisa tirar as histonas para duplicar o DNA antigo, mas não pode deixar o DNA recém-duplicado sem histonas, ou a cromatina perde a estrutura e o DNA pode sofrer danos. Para piorar, enquanto o DNA é duplicado, a células não produz novas proteínas, mas vai precisar do dobro de histonas quando a duplicação do DNA terminar. Para isso, a célula produz todas as histonas de que precisa antes. E outro problema surge: onde guardar as histonas antes de precisar delas e como fazer com que elas sejam usadas de maneira coordenada com a duplicação do DNA? Mas, bem, tudo funciona e a célula se duplica; porém, como vocês podem imaginar, o processo é bem complexo.

Diferentes proteínas regulam o fornecimento de histonas durante a duplicação do DNA e pesquisadores da Dinamarca estudaram o funcionamento de uma delas, chamada Asf1, em um trabalho publicado na revista Nature Communication. Os pesquisadores viram que essa proteína é modificada por um processo de fosforilação durante a etapa de síntese de DNA. (Na postagem anterior, eu citei outro processo de modificação de proteína, a palmitoilação.) A fosforilação é a ligação de um fosfato à estrutura da proteína. É uma adição pequena, mas que pode causa uma grande alteração já que o fosfato tem uma grande carga negativa e pode modificar toda a estrutura da proteína, interferindo na sua função.

Quando a Asf1 é fosforilada, ela apresenta uma maior capacidade de se ligar às histonas. Esse processo de fosforilação facilita da duplicação do DNA, o que indicou para os cientistas que a Asf1 talvez esteja, de alguma forma, fornecendo as histonas para o novo DNA. Além disso, se a quantidade de histonas disponíveis diminui, a fosforilação de Asf1 aumenta, provavelmente deixando o processo de entrega das poucas histonas mais eficiente.

E qual é a importância disso tudo? As células de um câncer se multiplicam muito mais rápido que as células normais do corpo. Com isso, a duplicação do DNA é importante para elas e elas passam por esse processo muitas e muitas vezes. Muitos dos remédios da quimioterapia funcionam tentando bloquear a duplicação do DNA. Dessa forma, se os cientistas conseguirem impedir o funcionamento da Asf1 ou evitar a sua modificação, eles podem estar no caminho de um novo tratamento para o câncer. Mas isso ainda é muito inicial e vamos ter que esperar alguns anos e outras pesquisas para saber se é possível.

Referência

KLIMOVSKAIA, I. M.; YOUNG, C.; STROMME, C. B.; MENARD, P.; JASENCAKOVA, Z.; MEJLVANG, J.; ASK, K.; PLOUG, M.; NIELSEN, M. L.; JENSEN, O. N.; GROTH, A. Tousled-like kinases phosphorylate Asf1 to promote histone supply during DNA replication. Nature Communications, v. 5, p. 3394, 2014.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Rapte-me, Camaleoa!

Recebi recentemente pelo Whatsapp um vídeo do Instagram mostrando um camaleão escalando uma série de lápis de cor diferentes. Cada vez que ele encostava a pata em um novo lápis, a cor dele mudava rapidamente, de acordo com a cor do lápis. Muito legal! Pena que não é verdade. O vídeo era originalmente de um perfil de um camaleão de estimação e o responsável alterou o vídeo digitalmente, incluindo essas mudanças de cores rápidas no bicho. Ele deixou um aviso no vídeo original, explicando que era computação gráfica e que tinha feito só para ser divertido. Mas isso não impediu outras pessoas de retirarem o aviso e divulgarem pela Internet. Fazer o quê? Mas aqui embaixo tem um vídeo mostrando como de fato um camaleão muda de cor. Reparem duas coisas: 1) o vídeo está acelerado dez vezes, ou seja, a mudança de cor é lenta; e 2) ficando mais amarelo avermelhando, a última coisa que ele está fazendo é ficar mais camuflado. Eu sempre me perguntei como o camaleão sabia que cor ele tinha que esco