A associação parece absurda, mas é uma nova hipótese para explicar, pelo menos em parte, a epidemia de obesidade no mundo ocidental. Trinta por cento da população dos Estados Unidos está obesa. A projeção para o futuro da população brasileira é de que, se nada for feito, 95 % das pessoas estejam acima do peso em 2050; e os gastos com saúde para tratar doenças associadas ao excesso de peso, como diabetes, pressão alta e problemas de coração, podem chegar a 330 bilhões de dólares em 40 anos!!! OK, mas o que os antibióticos têm a ver com isso?
Os antibióticos são muito usados na criação de animais para consumo de carne, principalmente frangos e porcos. Um dos motivos é o seguinte: como esses animais são criados em uma densidade alta (ou seja, muitos bichos em um pequeno espaço), a chance de alguma doença causada por bactéria se espalhar pela fazenda é grande. Assim, baixas doses de antibióticos são usadas de rotina na criação para evitar o problema. Um problema dessa prática é a chance do surgimento de micróbios super-resistentes. Esse uso exagerado de antibióticos é um dos argumentos dos que defendem o maior consumo de carne orgânica, onde os animais são criados livres e em uma densidade menor, e sem a utilização do remédio.
Mas os antibióticos não tem só essa função. Desde a década de 1940, se sabe que a utilização de antibióticos é capaz de aumentar o ganho de peso tanto em frango quando em porcos. Desde então a criação de animais tem usado essas drogas como estimulantes de crescimento e para aumentar a eficiência da alimentação. O problema é que ninguém tinha a menor ideia de porque ou como esse efeito acontecia. A partir da década de 1960, os cientistas começaram a se preocupar com possíveis efeitos desse uso indiscriminado de antibióticos para o meio ambiente e para as pessoas.
Somente recentemente, a importância das bactérias naturalmente presentes no intestino dos animais (que era chamada de flora intestinal e hoje é conhecida como microbiota) para a fisiologia dos organismos começou a ser estudada. Vários trabalhos mostraram relação entre a composição de bactérias da microbiota e o peso corporal dos animais estudados. E agora você deve ter falado: “Ah! E se os antibióticos estiverem matando ou mudando a microbiota dos bichos e deixando eles gordos?” E foi exatamente isso que alguns pesquisadores foram investigar. Eles trataram camundongos logo depois do desmame com doses baixas de antibióticos por sete semanas. Depois disso, embora os bichos tivessem o mesmo peso, os animais tratados tinham uma quantidade maior de gordura. Por quê? Os cientistas viram que hormônios e genes envolvidos com o metabolismo de gorduras estavam desregulados. Além disso, embora a quantidade de bactérias do intestino dos camundongos fosse a mesma, os tipos de bactérias presentes era diferente.
Tá, mas isso é como camundongo. Com gente funciona? Um grupo de pesquisadores analisaram dados clínicos obtidos de mais de 11 mil crianças britânicas. As crianças que receberam antibióticos antes dos seis meses tinham uma chance 20 % maior de ser gordinhas, mesmo descontando os possíveis efeitos familiares (genéticos e socioeconômicos).
O cenário que se desenha indica que a utilização de antibióticos pode ser um dos responsáveis pela epidemia de obesidade no mundo ocidental nas últimas duas décadas. Porém, é impossível não usar antibióticos para o tratamento de crianças com algum tipo de infecção por bactéria. Essas drogas foram essenciais para o grande aumento da expectativa de vida da população no século XX. Mas, por incrível que pareça, a maior parte dos antibióticos produzidos são usados na criação animal. Essas drogas persistem em baixas quantidades na carne produzida, mas também contaminam a água dos rios e o solo das plantações. A população humana pode estar recebendo doses baixas de antibióticos de modo constante e os efeitos são imprevisíveis. São urgentes mais estudos desses efeitos sobre nós e, talvez, uma regulação mais rígida da utilização de antibióticos como estimulantes de crescimento na criação de frangos e porcos.
Referências
CHO, I.; YAMANISHI, S. et al. Antibiotics in early life alter the murine colonic microbiome and adiposity. Nature, v. 488, n. 7413, p. 621-626, 2012.
RAY, K. Gut microbiota: adding weight to the microbiota's role in obesity--exposure to antibiotics early in life can lead to increased adiposity. Nature Review Endocrinology, v. 8, n. 11, p. 623, 2012.
RILEY, L. W.; RAPHAEL, E.; FAERSTEIN, E. Obesity in the United States – Dysbiosis from Exposure to Low-Dose Antibiotics? Frontiers in Public Health, v. 1, p. 69, 2013.
TERNAK, G. Antibiotics may act as growth/obesity promoters in humans as an inadvertent result of antibiotic pollution? Medical Hypotheses, v. 64, n. 1, p. 14-16, 2005.
TRASANDE, L.; BLUSTEIN, J. et al. Infant antibiotic exposures and early-life body mass. International Journal of Obesity, v. 37, n. 1, p. 16-23, 2013.
Os antibióticos são muito usados na criação de animais para consumo de carne, principalmente frangos e porcos. Um dos motivos é o seguinte: como esses animais são criados em uma densidade alta (ou seja, muitos bichos em um pequeno espaço), a chance de alguma doença causada por bactéria se espalhar pela fazenda é grande. Assim, baixas doses de antibióticos são usadas de rotina na criação para evitar o problema. Um problema dessa prática é a chance do surgimento de micróbios super-resistentes. Esse uso exagerado de antibióticos é um dos argumentos dos que defendem o maior consumo de carne orgânica, onde os animais são criados livres e em uma densidade menor, e sem a utilização do remédio.
Mas os antibióticos não tem só essa função. Desde a década de 1940, se sabe que a utilização de antibióticos é capaz de aumentar o ganho de peso tanto em frango quando em porcos. Desde então a criação de animais tem usado essas drogas como estimulantes de crescimento e para aumentar a eficiência da alimentação. O problema é que ninguém tinha a menor ideia de porque ou como esse efeito acontecia. A partir da década de 1960, os cientistas começaram a se preocupar com possíveis efeitos desse uso indiscriminado de antibióticos para o meio ambiente e para as pessoas.
Somente recentemente, a importância das bactérias naturalmente presentes no intestino dos animais (que era chamada de flora intestinal e hoje é conhecida como microbiota) para a fisiologia dos organismos começou a ser estudada. Vários trabalhos mostraram relação entre a composição de bactérias da microbiota e o peso corporal dos animais estudados. E agora você deve ter falado: “Ah! E se os antibióticos estiverem matando ou mudando a microbiota dos bichos e deixando eles gordos?” E foi exatamente isso que alguns pesquisadores foram investigar. Eles trataram camundongos logo depois do desmame com doses baixas de antibióticos por sete semanas. Depois disso, embora os bichos tivessem o mesmo peso, os animais tratados tinham uma quantidade maior de gordura. Por quê? Os cientistas viram que hormônios e genes envolvidos com o metabolismo de gorduras estavam desregulados. Além disso, embora a quantidade de bactérias do intestino dos camundongos fosse a mesma, os tipos de bactérias presentes era diferente.
Tá, mas isso é como camundongo. Com gente funciona? Um grupo de pesquisadores analisaram dados clínicos obtidos de mais de 11 mil crianças britânicas. As crianças que receberam antibióticos antes dos seis meses tinham uma chance 20 % maior de ser gordinhas, mesmo descontando os possíveis efeitos familiares (genéticos e socioeconômicos).
O cenário que se desenha indica que a utilização de antibióticos pode ser um dos responsáveis pela epidemia de obesidade no mundo ocidental nas últimas duas décadas. Porém, é impossível não usar antibióticos para o tratamento de crianças com algum tipo de infecção por bactéria. Essas drogas foram essenciais para o grande aumento da expectativa de vida da população no século XX. Mas, por incrível que pareça, a maior parte dos antibióticos produzidos são usados na criação animal. Essas drogas persistem em baixas quantidades na carne produzida, mas também contaminam a água dos rios e o solo das plantações. A população humana pode estar recebendo doses baixas de antibióticos de modo constante e os efeitos são imprevisíveis. São urgentes mais estudos desses efeitos sobre nós e, talvez, uma regulação mais rígida da utilização de antibióticos como estimulantes de crescimento na criação de frangos e porcos.
Referências
CHO, I.; YAMANISHI, S. et al. Antibiotics in early life alter the murine colonic microbiome and adiposity. Nature, v. 488, n. 7413, p. 621-626, 2012.
RAY, K. Gut microbiota: adding weight to the microbiota's role in obesity--exposure to antibiotics early in life can lead to increased adiposity. Nature Review Endocrinology, v. 8, n. 11, p. 623, 2012.
RILEY, L. W.; RAPHAEL, E.; FAERSTEIN, E. Obesity in the United States – Dysbiosis from Exposure to Low-Dose Antibiotics? Frontiers in Public Health, v. 1, p. 69, 2013.
TERNAK, G. Antibiotics may act as growth/obesity promoters in humans as an inadvertent result of antibiotic pollution? Medical Hypotheses, v. 64, n. 1, p. 14-16, 2005.
TRASANDE, L.; BLUSTEIN, J. et al. Infant antibiotic exposures and early-life body mass. International Journal of Obesity, v. 37, n. 1, p. 16-23, 2013.
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