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As pílulas da memória de elefante



Nessa segunda postagem sobre dopping cerebral, eu vou descrever o que descobri sobre os remédios Aniracetam, Donepezil, Modafinil e Selegilina e a sua suposta capacidade de melhorar a memória ou outras funções cerebrais de pessoas saudáveis. Se você está chegando agora, pode ler o primeiro texto dessa série aqui. Mas bem, vamos lá?

Para a concentração, não é grandes coisas. Mas e para memória? Será que vai? (Fonte: Facebook)

O Aniracetam e o Donepezil são remédios receitados para doentes com Mal de Alzheimer, que tem como um dos principais sintomas a perda de memória recente. Dessa forma, é lógico pensar que essas pílulas devem aumentar a memória de pessoas sadias. Porém, os remédios não funcionam necessariamente assim. Por exemplo, tomar remédio para osteoporose não vai te deixar com ossos mais resistentes que o normal. Já o Modafinil é usado para tratar pacientes com narcolepsia, caracterizada por episódios irresistíveis de sono (como o personagem de Rowan Atkinson no filme Tá Todo Mundo Louco). Por último, Selegilina é dada a pacientes com Mal de Parkinson, onde os doentes apresentam tremores, rigidez dos músculos e dificuldade de caminhar, se equilibrar e de engolir. Uma relação desses dois últimos compostos com a memória é menos óbvia.

Como esses remédios agem na sua cabeça? Novamente, esses medicamentos regulam a ação de substâncias produzidas pelo cérebro, usadas na comunicação entre as células – os chamados neurotransmissores. Eu escrevi sobre esses compostos na postagem anterior e em uma mais antiga. O Aniracetam age sobre proteínas, presentes nas células, que sentem os níveis de um neurotransmissor específico (chamado glutamato). Essas proteínas são chamadas de receptores. Esse remédio não é aprovado pela agência americana de regulação de medicamentos e alimentos e, embora eu não tenha achado informações, acho que também não vendido no Brasil. O Donepezil e a Selegilina impedem a ação de enzimas que destroem alguns neurotransmissores, como a acetilcolina e dopamina. Assim, a quantidade desses neurotransmissores aumenta no cérebro das pessoas que usam o remédio. Ambos são vendidos no Brasil, sob prescrição médica. Por último, por incrível que pareça, ninguém ainda sabe exatamente como o Modafinil age. Ele também é vendido no Brasil, mas somente com receita.

E se eu tomar essa bagaça vou ficar com memória de elefante? Bem, vamos ver. Primeiramente, eu não achei nenhum trabalho científico no Pubmed (base de dados para busca de artigos da área médica) que tenha estudado os efeitos do Aniracetam ou da Selegilina sobre a memória (ou qualquer outro parâmetro cognitivo) em pessoas saudáveis. Ou seja, não dá para dizer nada sobre eles. Afirmar que funciona ou não sem nenhum embasamento é simplesmente achismo.

Já sobre o Donepezil e o Modafinil existem alguns estudos. Em 2010, um grupo de pesquisadores alemães publicou dois trabalhos resumindo o que já tinha sido publicado sobre o efeito desses remédios sobre indivíduos sadios. Ainda não dá para ter certeza sobre a atuação do Donepezil. Alguns estudos mostraram que esse composto melhora habilidades práticas, memórias episódica, verbal, visual, semântica e espacial, tanto imediata quanto tardia, e processamento de informações. Outras pesquisas, porém, indicaram que o Donepezil não tem efeito significativo ou apresenta resultados negativos em relação à capacidade de atenção e memória verbal. O motivo das diferenças entre os estudos não é conhecido, mas os autores do trabalho alertam que devido a essas discrepâncias ainda é difícil afirmar que o Donepezil realmente ajuda a capacidade de memorização, de forma que mais pesquisas são necessárias para se sanar as dúvidas. Os efeitos colaterais parecem ser brandos, mas os voluntários relataram ter sofrido com náusea e outras complicações no aparelho digestivo, além de dor de cabeça, tontura, pesadelos e insônia.

Já o Modafinil é mesmo a pílula da memória de elefante! Utilizando os dados obtidos em diversos estudos em indivíduos saudáveis, os pesquisadores concluíram que esse remédio realmente melhora a atenção e memória, além de manter as pessoas mais despertas. Porém, não existe almoço grátis e o Modafinil traz junto uma diversidade de efeitos colaterais, que incluem dor de cabeça, tontura, problemas gastrointestinais, como náusea, dor abdominal e boca seca, aumento da quantidade de urina, taquicardia e palpitações, nervosismo, agitação, e distúrbios do sono, principalmente insônia (lembrando, claro, que ele é originalmente um remédio para pessoas com sono incontrolável, logo faz sentido...).

Antes de encerrar, nunca é demais lembrar que não sou médico e isso aqui não é receituário! Nunca tome qualquer remédio em consultar um médico antes! Até a próxima postagem, onde vou terminar a série falando dos últimos compostos, fluoxetina, piracetam e vasopressina e seus efeitos sobre a aprendizagem.

Comentários

  1. Muito interessante.
    Venho lendo a algum tempo sobre essas substâncias, principalmente as nootropicas.
    O aniracetam é a molecula atualmente aceita como a mais potente no efeito nootropico, isto é: por aumentar o metabolismo do cérebro, faz com que mais áreas funcionem. Esse mecanismo é responsável tanto pelo aumento da capacidade de aprendizado quanto pelo aumento da capacidade de memorização. Além de que, o aumento da atividade da acetilcolina e a ativação dos sítios ativos de NMDA podem levar a uma intensa atividade cerebral, o que contribui para o aumento da plasticidade a longo prazo.
    Já a fluoxetina e a selegilina tem seríssimos efeitos colaterais. A selegilina pode causar letargia até em doses terapeuticas (devido a alta atividade dopaminérgica) e a fluoxetina comumente é relacionada a perda de memória temporária.
    O metilfenidato é realmente muito interessante. É normalmente usado como substância recreacional por causa da semelhança que tem com as anfetaminas procuradas em clubes noturnos. O uso por profissionais que avançam longas jornadas também é muito comum.
    O Adderal é um medicamento ultrapassado, acredito que só está sendo utilizado nos EUA
    Modafinil é um potente estimulante, mas o seu potencial de causar dependência química é desestimulante (desculpe o trocadilho).
    Vasopressina: só com prescrição médica. Tem interação com quase todas as outras substâncias que foram citadas. É um medicamento muito perigoso.
    O donepezil é um medicamento que eu desconhecia, parece que o uso é exclusivamente hospitalar.

    Espero ter contribuído de alguma forma! Legal o blog

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  2. Eu estava com problemas sérios de memoria, próximo aos 40 anos, piorou muito. Busquei auxílio de um profissional neurologista e após um eletroencefalograma ele me receitou um medicamento para depressão, tomei uma caixa inteira e abandonei o tratamento. Agora estou tomando um outro para a memoria por conta própria e senti um pequeno efeito, é um desses medicamentos da materia, depois de um determinado tempo de tratamento, retornarei para compartilhar minha experiência. Desde já agradeço a partilha Sr David Majerowicz e equipe. Deixo meu e-mail pra quem quiser entrar em contato tinacrespo@outlook.com.br

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